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Estreia 2019

em 06/01/2019 | 00h00min

Estreia 2019

Meus caros irmãos e irmãs, minha querida Família Salesiana,

continuando a nossa tradição centenária, no início deste novo ano 2019, dirijo-me a vós, em todas as partes do nosso “mundo salesiano”, que formamos como Família Salesiana em mais de 140 países. E o faço comentando um tema que nos é muito familiar, e que no próprio título retoma literalmente a Exortação Apostólica Gaudete et Exsultate do Papa Francisco sobre o chamado à santidade no mundo contemporâneo.

Ao escolher o tema e seu título entendo traduzir, em nossa linguagem e à luz da nossa sensibilidade carismática, o forte apelo à santidade dirigido pelo Papa Francisco a toda a Igreja. Desejo apresentar, pois, alguns relevos que são tipicamente “nossos” no quadro da nossa espiritualidade salesiana, compartilhada pelos 31 grupos da nossa Família Salesiana como herança carismática recebida do Espírito Santo por meio do nosso amado Pai Dom Bosco que, sem dúvida, nos ajudará a viver com a mesma alegria profunda que nos vem do Senhor: «Para que a minha alegria esteja em vós» (Jo 15,11).

A quem se dirigem essas palavras?

Posso assegurar-vos que essas palavras são dirigidas a todos.

A vós, meus caros irmãos salesianos SDB.

A vós, irmãs e irmãos das diversas Congregações e Institutos de vida consagrada e laical da nossa Família Salesiana.

A vós, irmãos e irmãs das associações e dos diversos grupos da Família Salesiana.

Aos pais e mães, aos educadores e educadoras, aos catequistas e animadores de todas as nossas presenças no mundo.

E a todos os adolescentes e jovens do nosso grande mundo salesiano.

Acolho o convite dirigido pelo Papa à Igreja inteira. Sua Exortação não é um tratado sobre a santidade, mas um apelo lançado ao mundo contemporâneo e à Igreja, de modo especial, a viver a vida como vocação e como chamado à santidade; uma santidade encarnada no tempo presente, no hoje, na realidade de cada um e no contexto atual.

Faço-me eco desse apelo sempre fascinante à santidade porque o “hoje” da Igreja solicita-nos a fazê-lo. Como eu, todos os últimos Reitores-Mores apresentaram intervenções muito significativas sobre a santidade salesiana e os nossos santos patronos.

Como nos anos anteriores, acredito que, além da leitura pessoal, estas indicações sejam suficientes e possam servir como “pontos” da proposta educativo-pastoral dos diversos contextos e situações do nosso “mundo salesiano’ onde trabalhamos.


I. TODOS SÃO CHAMADOS POR DEUS À SANTIDADE

Imagino que não poucas pessoas, talvez também entre nós e certamente entre os muitos jovens que ouviram o apelo do Papa, tiveram a sensação de que a palavra “santidade” soasse um pouco estranha, em muitos casos intensamente estranha e desconhecida à linguagem do mundo contemporâneo. Não é impensável que haja bloqueios culturais ou também interpretações que tendem a confundir o caminho da santidade com uma espécie de espiritualismo alienante que foge da realidade. Ou, talvez, no máximo, o termo “santidade” seja entendido como uma palavra aplicada e aplicável àqueles que são venerados nas imagens de nossas igrejas.

É digno, pois, de admiração e até mesmo “corajoso” o empenho do Papa em apresentar a perene atualidade da santidade cristã que, na sua qualidade de apelo vindo do próprio Deus na sua Palavra, seja proposta como meta para o caminho de cada pessoa. Deus mesmo «quer-nos santos e espera que não nos resignemos com uma vida medíocre, superficial e indecisa» (GE, 1)

O chamado à santidade é familiar à nossa tradição salesiana (S. Francisco de Sales). O apelo do Papa Francisco atrai a atenção, antes de tudo, pela força e a determinação com que ele sustenta que a santidade é um chamado dirigido a todos, não apenas a poucos, enquanto corresponde ao projeto fundamental de Deus sobre nós. é destinado, então, à gente comum, à gente que acompanhamos na vida cotidiana ordinária, feita de coisas simples, típicas da gente comum.

Não se trata de uma santidade para poucos heróis ou pessoas extraordinárias, mas de um modo ordinário de viver a existência cristã normal; um modo de viver a vida cristã encarnada no contexto atual com os riscos, os desafios e as oportunidades que Deus nos oferece no caminho da vida.

A Sagrada Escritura convida-nos a ser santos: «Sede perfeitos como é perfeito o vosso Pai celeste» (Mt 5,48); e: «Sede santos, porque eu [o Senhor] sou santo» (Lv 11,44).

Há, portanto, um convite explícito a vivenciar e testemunhar a perfeição do amor, que não é diferente da santidade. A santidade mesma consiste, de fato, na perfeição do amor; um amor que, antes de tudo, se fez carne em Cristo.

Também São Paulo, na carta aos Hebreus, referindo-se ao Pai, escreve: «N’Ele [Cristo, o Pai] nos escolheu, antes da fundação do mundo, para sermos santos e íntegros diante dele, na caridade, predestinando-nos a ser para ele filhos adotivos mediante Jesus Cristo, segundo o desígnio de amor da sua vontade, para louvor do esplendor da sua graça, com que nos agraciou no Filho amado» (Fl 1,4-6). Não mais servos, portanto, mas amigos (cf. Jo 15,15). Não mais estrangeiros nem hóspedes, mas concidadãos dos santos e familiares de Deus (cf. Ef 2,19). Portanto, todos e cada um somos chamados à santidade: ela é a vida plena e realizada, segundo o desígnio de Deus, na plena comunhão com Ele e com os irmãos.

Não se trata, então, de uma perfeição reservada a poucos, mas de um apelo feito a todos.

Algo de infinitamente precioso que, entretanto, não é raro ou estanho, mas faz parte da vocação comum dos crentes. é a bela proposta que Deus oferece a cada homem e mulher.

Não é um itinerário de falsa espiritualidade, que afasta da plenitude da vida, mas é a plenitude de humanidade, aperfeiçoada pela Graça. A “vida em abundância”, como Jesus promete. Nem é uma característica homologatória, banalização ou rigidez; mas resposta ao sopro sempre novo do Espírito, que estabelece comunhão valorizando as diferenças, pois é o Espírito que «está na própria origem da questão existencial e religiosa do homem».

Não se trata de um conjunto de valores abstratamente subscritos e honrados de maneira formalista, mas da harmonia de todas as virtudes que encarnam os valores na vida.

Nem mera capacidade de resistir ao mal para apegar-se ao bem, mas atitude estável, decidida e alegre de viver bem o bem.

Nem meta que se alcança num instante, mas caminho progressivo, segundo a paciência e a benevolência de Deus, que interpela a liberdade e o empenho pessoal.

Nem atitude excludente perante o diverso, mas experiência fundamental do verdadeiro, do bom, do justo e do belo.

Enfim, a santidade é a vida segundo as bem-aventuranças, para ser sal e luz do mundo; caminho de profunda humanização, como é toda experiência espiritual autêntica. Por isso, ser santo não exige alienar-se de si ou afastar-se dos próprios irmãos, mas viver uma intensa vida corajosa, humanizante, e uma experiência (às vezes trabalhosa) de comunhão e de relação com os outros.

“Ser santo” é a primeira e mais urgente ocupação do cristão:

Santo Agostinho afirma: «A minha vida será verdadeira vida, toda cheia de ti». É n’Ele, isto é, em Deus mesmo, que está a razão da possibilidade do caminho de santidade na sequela de Cristo. O caminho da santidade torna-se possível ao cristão pelo dom de Deus em Cristo: n’Ele – de quem os santos e, por primeiro, a Virgem Maria, são reflexo maravilhoso – revela-se ao mesmo tempo a plenitude do rosto do Pai e o verdadeiro rosto do homem.

Em Jesus Cristo, o rosto de Deus e o rosto do homem resplendem “juntos”. Em Jesus encontramos o homem da Galileia e o rosto do Pai: «Quem me viu, viu o Pai» (Jo 14,9).

Jesus, Verbo feito carne, é a plena e definitiva palavra do Pai. Desde o momento da encarnação, a vontade de Deus é encontrada na pessoa de Cristo. Ele nos mostra qual é o projeto de Deus para o homem e a mulher, qual é a sua vontade e a maneira de corresponder-Lhe na sua vida, nas suas palavras e nos seus silêncios, nas suas escolhas e nas suas ações, e sobretudo na sua paixão, morte e ressurreição.

O projeto de Deus para cada um de nós hoje é simplesmente a plenitude da vida cristã que se mede segundo a estatura que Cristo alcança em nós, e o grau que, com a graça do Espírito Santo, modelamos a nossa vida segundo a de Jesus, o Senhor. Não significa, pois, fazer coisas extraordinárias, mas viver unidos ao Senhor, fazendo nossos os seus gestos, pensamentos e comportamentos. De fato, também aproximar-se da Eucaristia significa exprimir e testemunhar que desejamos assumir e fazer nosso o estilo, o modo de vida e a mesma missão de Jesus Cristo.

O Concílio Vaticano II, na Constituição sobre a Igreja, proclamara corajosamente o chamado universal à santidade, afirmando que ninguém está excluído dele: «Nos vários gêneros e ocupações da vida, é sempre a mesma a santidade que é cultivada por aqueles que são conduzidos pelo Espírito de Deus e, obedientes à voz do Pai, adorando em espírito e verdade a Deus Pai, seguem a Cristo pobre, humilde, e levando a cruz, a fim de merecerem ser participantes da Sua glória» (LG, 41).

A “santidade ao pé da porta” e o chamado universal à santidade:

Edith Stein, ainda ateia, escreve que recebeu de dois encontros o incentivo decisivo para a conversão: com a esposa de um amigo morto em guerra, que, ficando viúva, embora na dor lacerante, atestava a surpreendente luz e força da fé; e, numa igreja (onde Edith estava apenas por interesse artístico) com uma senhora idosa, que entrara com a sacola de compras, bem no meio de um dia cheio de compromissos, para viver um momento de intensa confiança e adoração a Jesus Eucaristia.

Dom Bosco teve por mãe e primeira mestra Margarida Occhiena, uma camponesa simples, sem instrução, sem qualquer preparação teológica, mas com a inteligência do coração e a obediência da fé.

Santa Teresa de Lisieux dizia que quando criança não entendia muito o que o sacerdote dizia, mas que lhe bastava olhar o rosto de seu pai Luís para entender tudo.

Nenhum destes leigos – Ana Reinach, amiga de Edith, a senhora desconhecida com a sacola de compras, mamãe Margarida ou o papai Luís Martin – jamais pensou em ser santo, nem percebeu o influxo exercido sobre as pessoas ao redor, com o seu modo de agir normal.

A presença dessas figuras simples e decididas, destes «santos ao pé da porta» – como são definidos pelo Papa Francisco (GE, 7) – recorda que na vida o importante é ser santo, não ser um dia reconhecido como tal. E ajuda a refletir sobre o fato de os santos canonizados alcançarem primeiramente a santidade humilde do povo de Deus: a glória de uns é também a glória dos outros, numa profunda e solidíssima comunhão.

Viver a santidade é, então, fazer a experiência de ser precedido e salvo e aprender a corresponder a esse amor fiel. é a responsabilidade de responder a um grande dom.

Neste sentido, talvez, uma das contribuições mais importantes para a espiritualidade cristã é a do Bispo de Genebra, Francisco de Sales, com o seu esforço de propor a santidade para todos, fazendo repassar ao mundo a “devoção” dos claustros. Ele escreve em sua admirável obra Introdução à vida devota: «Na criação, Deus ordenou às plantas que produzissem cada uma os seus frutos, segundo a sua espécie; da mesma forma, Ele quer que os cristãos, plantas vivas da sua Igreja, produzam frutos de devoção, cada um segundo a sua qualidade, o seu estado e a sua vocação. A devoção deve ser praticada de maneiras diferentes pelo nobre, pelo operário, pelo servo, pelo príncipe, pela viúva, pela solteira e pela casada. E isso não basta, mas é necessário que a prática da devoção seja adequada às forças, às ocupações e às obrigações de cada um em particular. [...] Em qualquer estado vivermos, pode-se e deve-se aspirar à vida perfeita».

A história da Igreja é marcada intensamente por muitas mulheres e muitos homens que, com a sua fé, com a sua caridade e com a sua vida foram como faróis que iluminaram e continuam a iluminar muitas gerações ao longo do tempo, inclusive neste. Eles são o testemunho vivo de como a força do Ressuscitado alcançou na vida deles um nível tal, que, como São Paulo, puderam afirmar (muitas vezes sem usar as palavras): «Não sou mais eu que vivo, mas é Cristo que vive em mim» (Gl 2,20). E o manifestaram, às vezes, com «o oferecimento da própria vida pelos outros, mantido até à morte» (GE, 5). Entretanto, também existe a santidade sem nome, daqueles que não chegaram à honra dos altares, cuja vida «talvez não tenha sido sempre perfeita, mas, mesmo no meio de imperfeições e quedas, continuaram a caminhar e agradaram ao Senhor» (GE, 3). é a santidade da própria mãe, de uma avó ou de outras pessoas próximas; é a santidade do matrimônio, que é um belíssimo itinerário de crescimento no amor; é a santidade dos pais que educam, amadurecem e se entregam generosamente aos filhos, muitas vezes com sacrifícios não previstos. Homens e mulheres, recorda o Papa, que trabalham intensamente para garantir o pão em casa. Enfermos que vivem a própria doença em paz e com espírito de fé, em união com Jesus sofredor; religiosas idosas, com uma vida entregue e consumida, que ainda têm um sorriso e uma esperança... (cf. GE, 7).

Pode-se afirmar com certeza que em todas as épocas da história da Igreja e em todas as latitudes houve, e há, santos de todas as idades, de todas as condições de vida, com características muito diferentes umas das outras.

Expressou-o muito bem o Papa Bento XVI quando deu o seu testemunho pessoal dizendo: «Gostaria de acrescentar que para mim não só alguns grandes santos que amo e que conheço bem são “indicações estradais”, mas precisamente também os santos simples, ou seja as pessoas boas que vejo na minha vida, que nunca serão canonizadas. São pessoas normais, por assim dizer, sem heroísmo visível, mas vejo a verdade da fé na sua bondade de todos os dias».

Certamente, encontramos tudo isso no modo com que tantas pessoas encarnaram o itinerário cristão na própria vida. Alguns podem parecer “pequenos” e outros “grandes”; todos, porém, percorrem um caminho atraente e fascinante.

O mesmo Papa Bento conclui com uma preciosíssima expressão que, no meu modo de ver, pode resumir magnificamente a mensagem da Estreia deste ano, quando diz: «Queridos amigos, como é grande e bela, e também simples, a vocação cristã vista sob esta luz! Todos somos chamados à santidade: é a própria medida da vida cristã».

Maria de Nazaré: uma luz singular no caminho da santidade:

Todos esses itinerários simples e muitas vezes anônimos de santidade têm sempre um modelo para o qual olhar e no qual se espelhar. A santidade cristã tem seu modelo mais belo e mais próximo em Maria de Nazaré, a Mãe do Senhor, do Filho de Deus.

Maria é a mulher do “Eis-me aqui”, da plena e total disponibilidade à vontade de Deus. Dizendo: «Faça-se em mim segundo a tua palavra» (Lc 1,38), Maria declara encontrar a plena e profunda felicidade em tudo o que aquele “fiat” supunha na fé. Não só quando o Filho deixa sua casa e se afasta d’Ela, para realizar a missão do Pai; mas também no momento extremo em que Maria experimenta a dor pela Sua crucifixão e morte. Uma dor atroz vivida como mãe.

Em Maria, Mãe do Senhor, podemos encontrar a riqueza de uma vida que acolheu o plano de Deus em todos os instantes; uma vida que foi um “eis-me aqui” permanente falado a Deus. Como é fascinante, nessa perspectiva, contemplar Maria e meditar o valor da existência humana e o seu significado pleno no horizonte da eternidade!

A acolhida corajosa do misterioso plano de Deus leva Maria a ser Mãe de todos os crentes, modelo de escuta e acolhida da Palavra de Deus para cada um de nós e guia segura para a santidade. E isso porque nos ensina que só Deus torna grande a nossa vida. «Somente se Deus é grande, o homem também é grande. Com Maria devemos começar a entender que é assim. Não devemos distanciar-nos de Deus, mas tornar Deus presente; fazer com que Ele seja grande na nossa vida; assim também nós nos tornamos divinos; todo o esplendor da dignidade divina então é nosso».

Por essa razão é impensável que o caminho fácil da santidade possa ser percorrido pelo cristão sem olhar para Maria como Mãe. Contemplá-la é aprender a crer, aprender a esperar, aprender a amar. E se rezarmos como Ela e com Ela, experimentaremos com certeza no nosso caminho cotidiano aquela consolação que só pode vir de Deus. E ainda, invocando-a como Mãe do Filho de Deus, abriremos os nossos corações ao dom da sua intercessão como Mãe do Filho e dos seus filhos.

Com sensibilidade salesiana...

Portanto, poder-se-ia dizer que quando alguém se faz santo, tem tudo; e se não se faz santo, perde tudo. A meta da santidade e o apelo, quase dolorosamente comovente, para alcançá-la, é também a grande mensagem de Dom Bosco, o eixo ao redor do qual gira toda a sua proposta espiritual e o seu testemunho de vida.

A santidade proposta por Dom Bosco é fácil e simpática, mas também vigorosa e assim é comunicada. Na afirmação de Domingos Sávio: «Eu quero fazer-me santo, sinto que devo fazer-me santo e estarei infeliz enquanto não for santo», ressoa muito – se não tudo – do que Dom Bosco soubera transmitir-lhe, desde a pregação em que Domingos pudera escutar estas encorajadoras palavras: «é muito fácil conseguir este intento [fazer-se santo]; terá um grande prêmio no céu quem conseguir tornar-se santo». Dom Bosco continua escrevendo que essa pregação foi a centelha que inflamou o coração de Domingos Sávio fazendo dele um enamorado de Deus.

Na sabedoria de Dom Bosco, que moderava o desejo penitencial de Domingos e lhe recomendava maior fidelidade à vida de oração, ao estudo e aos deveres bem realizados, e a assiduidade no recreio (e digamos também toda a dimensão da vida de relacionamento), emergia a consciência, tipicamente salesiana, do chamado universal à santidade.

Na fundação da Sociedade de S. Francisco de Sales, antes, e do Instituto das Filhas de Maria Auxiliadora, depois (com Maria Domingas Mazzarello cofundadora), Dom Bosco propõe até hoje como objetivo a santificação dos seus membros.

Recorda-o o Padre Rua aos Salesianos, pouco depois, quando os exorta com estas palavras: «Isso nos inculcou o nosso amadíssimo Dom Bosco também no 1º artigo da Santa Regra, onde nos diz que finalidade da nossa Pia Sociedade é, primeiro, a perfeição cristã dos seus membros e, depois, toda obra de caridade espiritual e corporal pela juventude». Sem ela, qualquer estímulo apostólico se revelaria estéril. Dom Bosco sabe perfeitamente que o primeiro, mais radical e decisivo modo de ajudar os outros é ser santo.

Nesta «escola de nova atraente espiritualidade apostólica», Dom Bosco lê o evangelho com originalidade pedagógica e pastoral, que «comporta essencialmente uma “síntese nova”, equilibrada, harmoniosa e, a seu modo, orgânica dos elementos comuns à santidade cristã, em que as virtudes e os meios de santificação têm uma própria colocação, uma dosagem, uma simetria e uma beleza que os caracterizam».


II. JESUS É A FELICIDADE

A proposta da santidade é dirigia a todo cristão, porque ela é plenitude de vida e sinônimo de felicidade, de bem-aventurança. E nós cristãos encontramos a felicidade seguindo Jesus Cristo.

Essas palavras são dirigidas aos jovens; são para eles, mas bem sabemos que «a santidade é também para você», isto é, para todos: jovens, educadores, pais e mães, leigas e leigos consagrados, religiosas, religiosos, presbíteros. Resumindo, estas minhas palavras são dirigidas a todos e a cada um dos membros da nossa Família Salesiana, de modo que todos nos sintamos incluídos, e referem-se naturalmente também a todo o Povo de Deus.

São muito belas as mensagens que o Papa João Paulo II, o Papa Bento XVI e o Papa Francisco enviaram aos jovens, com grande convicção, e não nos deveriam ser estranhas. Recolherei apenas uma pequena amostra dessas mensagens, com um denominador comum: em todas elas, os Papas pedem aos jovens para correrem o risco de aceitar Jesus como garantia da própria felicidade.

Foi esse o grande desafio lançado por São João Paulo II quando disse aos jovens do mundo: «Na realidade, é Jesus quem buscais quando sonhais a felicidade; é Ele quem vos espera, quando nada do que encontrais vos satisfaz; Ele é a beleza que tanto vos atrai; é Ele quem vos provoca com aquela sede de radicalidade que não vos deixa ceder a compromissos; é Ele quem vos impele a depor as máscaras que tornam a vida falsa; é Ele quem vos lê no coração as decisões mais verdadeiras que outros quereriam sufocar. é Jesus quem suscita em vós o desejo de fazer da vossa vida algo de grande, a vontade de seguir um ideal, a recusa de vos deixardes submergir pela mediocridade, a coragem de vos empenhardes, com humildade e perseverança, no aperfeiçoamento de vós próprios e da sociedade, tornando-a mais humana e fraterna».

Não menos explícito foi o Papa Bento XVI quando disse aos jovens: «Queridos jovens, a felicidade que procurais, a felicidade que tendes o direito de saborear tem um nome, um rosto: o de Jesus de Nazaré, oculto na Eucaristia. [...] Disto estai plenamente convictos: Cristo de nada vos priva do que tendes em vós de belo e de grande, mas tudo leva à perfeição para a glória de Deus, a felicidade dos homens e a salvação do mundo. [...] Deixai-vos surpreender por Cristo! Concedei-lhe o “direito de vos falar” durante estes dias!».

E o Papa Francisco diz aos jovens que a felicidade não é negociável, não admite reduzir expectativas em níveis que, afinal, não a garantem de modo sólido e elevado, mas somente como algo que pode ser consumido em “pequenas doses” e que, como vem, vai e, naturalmente, não é a verdadeira felicidade ou um itinerário humano de realização plena: «A vossa felicidade não tem preço, nem se comercializa; não é um “app” que se descarrega do celular».

Dom Bosco quer os seus jovens felizes no tempo e na eternidade:

Na abertura da “Carta de Roma”, de 10 de maio de 1884, Dom Bosco escreve aos seus jovens: «Meu único desejo é ver-vos felizes no tempo e na eternidade».

Ao concluir a sua vida terrena, essas palavras resumem o coração da sua mensagem aos jovens de todas as épocas e do mundo inteiro. Ser feliz, como meta sonhada por todos os jovens, hoje, amanhã, no tempo. Mas não só. “Na eternidade” é o que só Jesus e a sua proposta de felicidade sabe oferecer a mais, justamente a santidade.

O mundo, as sociedades de todas as nações, não são capazes de propor este “para sempre”, e nem sequer a felicidade eterna. Deus, sim.

Em Dom Bosco, tudo isso estava muito claro, e ele foi capaz de semear nos seus jovens o desejo intenso de serem santos, de viverem para Deus e alcançarem o paraíso: «Guiou os jovens pelo caminho da santidade simples, serena e alegre, unindo numa só experiência de vida o pátio, o estudo sério e o constante senso do dever».


III. SANTOS PARA OS JOVENS E COM OS JOVENS

A santidade característica do carisma salesiano em que há espaço para todos, consagrados e leigos, tem, ainda, a sua tradução mais específica em relação à santidade juvenil. O Padre Pascual Chávez, meu predecessor, escreveu no início do seu ministério na carta Queridos salesianos, sede santos!”: «Os próprios jovens ajudaram Dom Bosco a iniciar, na experiência diária, um estilo de santidade nova, na medida das exigências típicas do desenvolvimento do jovem. Foram assim, de alguma maneira, contemporaneamente discípulos e mestres. A nossa santidade é uma santidade para os jovens e com os jovens; porque, também na procura da santidade, “os jovens e os Salesianos caminham juntos”: ou nos santificamos com eles, caminhando e aprendendo com eles, ou jamais seremos santos». O autêntico coração salesiano da nossa Família deve ser santo para alcançar os jovens; mas não ignora o dever, ainda mais radical, de santificar-se entre os jovens e com eles.

Esse desejo pode ser referido a todos e a cada um dos 31 grupos que formam a nossa Família Salesiana. Com verdadeiro interesse, busquei referências à santidade nas Constituições e nos Regulamentos das diversas Congregações da nossa Família, no Projeto de Vida Apostólica dos Salesianos Cooperadores, dos Ideários, Estatutos e Regulamentos (quaisquer que sejam os seus nomes) de todos os grupos que pertencem à árvore do nosso carisma. Posso assegurar-vos que, num modo ou noutro, todos contemplamos a santidade como um objetivo e uma finalidade para a qual nascemos também como instituição religiosa, a fim de obtê-la em nossa própria vida. Uma santidade, portanto, que é proposta a cada um dos membros e que se propõe como objetivo no apostolado voltado para os outros.

A juventude, um tempo para a santidade:

Convencidos de que «a santidade é o rosto mais belo da Igreja» (GE, 9), antes de propô-la aos jovens nós todos somos chamados a vivê-la e testemunhá-la, sendo dessa forma uma comunidade “simpática”, como narram os Atos dos Apóstolos (cf. GE, 93). Só é possível acompanhar os jovens pelos caminhos da santidade vivendo essa coerência.

Se Santo Ambrósio afirmava que «toda idade é madura para a santidade», sem dúvida o é também a juventude! A Igreja reconhece na santidade de numerosos jovens a graça de Deus que antecipa e acompanha a história de cada um, o valor educativo dos sacramentos da Eucaristia e da Reconciliação, a fecundidade de itinerários compartilhados na fé e na caridade, a carga profética destes “campeões”, que muitas vezes sigilaram no sangue o seu ser discípulos de Cristo e missionários do Evangelho. A linguagem mais exigida pelos jovens de hoje é o testemunho de uma vida autêntica. Por isso, a vida de jovens santos é a verdadeira palavra da Igreja; e o convite a empreender uma vida santa é o apelo mais necessário de que precisam os jovens de hoje. O autêntico dinamismo espiritual e a fecunda pedagogia da santidade não frustram as aspirações profundas dos jovens: a necessidade que têm de vida, amor, progresso, alegria, liberdade, futuro e, também, de misericórdia e reconciliação.

Certamente, a proposta tem um sabor de verdadeiro desafio. Se, de um lado é muito atraente, de outro, causa receio e indecisão. é preciso superar o risco de nos resignarmos «com uma vida medíocre, superficial e indecisa» (GE, 1); supõe vencer a tentação do “viver de qualquer jeito”, porque o desafio da santidade não é outra coisa em relação à vida de todos os dias, mas exatamente a mesma existência ordinária vivida de maneira extraordinária, porque se faz bela pela graça de Deus. O fruto do Espírito Santo é, de fato, uma vida vivida na alegria e no amor, e nisso consiste a santidade. Nesse sentido é precioso o exemplo que o Papa nos oferece na Exortação apostólica apresentando o testemunho de vida do Cardeal Francisco Xavier Nguyên Van Thuân, que viveu longos anos na prisão. Ele renunciou a consumir-se na expectativa da libertação e tomou outra decisão: «vivo o momento presente, cumulando-o de amor e [...] agarro as ocasiões que vão surgindo cada dia para realizar ações ordinárias de maneira extraordinária» (GE, 17).

Jovens santos e juventude dos santos:

«Jesus convida cada um de seus discípulos ao dom total da vida, sem cálculos ou interesses humanos. Os santos acolhem este exigente convite e começam a seguir, com docilidade humilde, o Cristo Crucificado e Ressuscitado. A Igreja contempla no céu da santidade uma constelação cada vez mais numerosa e luminosa de crianças, adolescentes e jovens santos e beatos que, desde as primeiras comunidades cristãs, chegam até nós. Ao invocá-los como protetores, a Igreja propõe-nos os jovens como referências para a sua existência». Em várias pesquisas, também nas preparatórias para o Sínodo dos Bispos sobre os jovens, os próprios jovens reconhecem ser «mais receptivos diante de “uma narrativa de vida” que diante de um abstrato sermão teológico» e consideram como muito relevante para eles a vida dos santos. Por isso, sem dúvida, torna-se importante apresentá-los de modo adequado à sua idade e condição.

Também se deve recordar que, com os “Santos jovens”, é preciso apresentar aos jovens a “juventude dos Santos”. Todos os Santos, com efeito, passaram pela idade juvenil e seria útil aos jovens de hoje mostrar a maneira com que os Santos viveram o próprio tempo de juventude. Poder-se-ia captar muitas situações juvenis nem simples nem fáceis, nas quais, porém, Deus está presente e misteriosamente ativo. Mostrar que a Sua graça está em ação, através dos caminhos tortuosos da construção paciente de uma santidade que amadurece ao longo do tempo por muitos caminhos imprevistos; isso pode ajudar os jovens, nenhum deles excluído, a cultivar a esperança de uma santidade sempre possível.

O último número do documento final da reunião pré-sinodal do Sínodo afirma, em sintonia com o que estamos dizendo, que também a santidade dos jovens participa da santidade da Igreja, porque «os jovens são parte integrante da Igreja. E, portanto, também a sua santidade, que nestes últimos decênios produziu um multiforme florescimento em todas as partes do mundo: contemplar e meditar durante o Sínodo a coragem de tantos jovens que renunciaram à sua vida desde que se mantivessem fiéis ao Evangelho foi comovedor para nós; escutar os testemunhos dos jovens presentes no Sínodo que, em meio a perseguições escolheram compartilhar a paixão do Senhor Jesus foi regenerador. Através da santidade dos jovens a Igreja pode renovar o seu ardor espiritual e o seu vigor apostólico».


IV. O QUE SIGNIFICA DIZER: «A SANTIDADE É TAMBÉM PARA VOCÊ»?

O Papa Francisco expressa-o de modo simples e direto.

Depois de afirmar que para ser santo não é necessário ser bispo, sacerdote, religiosa ou religioso, acrescenta: «Todos somos chamados a ser santos, vivendo com amor e oferecendo o próprio testemunho nas ocupações de cada dia, onde cada um se encontra. és uma consagrada ou um consagrado? Sê santo, vivendo com alegria a tua doação. Estás casado? Sê santo, amando e cuidando do teu marido ou da tua esposa, como Cristo fez com a Igreja. és um trabalhador? Sê santo, cumprindo com honestidade e competência o teu trabalho ao serviço dos irmãos. és progenitor, avó ou avô? Sê santo, ensinando com paciência as crianças a seguirem Jesus. Estás investido em autoridade? Sê santo, lutando pelo bem-comum e renunciando aos teus interesses pessoais (GE 14).

Isso nos encoraja a traduzir em palavras simples o desafio que temos e que se apresenta como preciosa provocação a todos e cada um de nós, em todas as idades e etapas da vida.

O que é, então, a santidade, esta santidade que nos é apresentada tão próxima e acessível aos jovens, à mulher e ao homem de hoje?

? é algo próximo, real, concreto, possível. Melhor ainda, é a vocação fundamental ao amor como reconhece o Concílio Vaticano II (LG, 11); a alma, a essência desse apelo à santidade para todas as pessoas é a caridade plenamente vivida: «Deus é amor; quem permanece no amor permanece em Deus e Deus permanece nele» (1Jo 4,16).

? é fazer frutificar a graça do Batismo sem ter medo que Deus nos peça demasiado: «Deixa que a graça do teu Batismo frutifique num caminho de santidade. Deixa que tudo esteja aberto a Deus e, para isso, opta por Ele, escolhe Deus sem cessar» (EG, 15). Concretamente, trata-se de viver no Espírito, deixar-se guiar na simplicidade da vida cotidiana pelo Espírito Santo, sem ter medo de mirar as alturas, deixando-se amar e libertar pelo próprio Deus.

O Papa Bento XVI convidava os jovens, todos os jovens a «abrir-se à ação do Espírito Santo, que transforma a nossa vida, para sermos também nós como peças do grande mosaico de santidade que Deus vai criando na história, para que o rosto de Cristo resplandeça na plenitude do seu esplendor. Não tenhamos medo de tender para o alto, para as alturas de Deus; não tenhamos medo que Deus nos peça demasiado».

? é ser santos alegres, porque assim Deus nos sonhou. «O que ficou dito até agora não implica um espírito retraído, tristonho, amargo, melancólico ou um perfil sumido, sem energia. O santo é capaz de viver com alegria e sentido de humor» (GE, 122). João Bosco, quando era jovem, fundou a Sociedade da alegria, e Domingos Sávio costumava dizer aos recém-chegados ao Oratório: «Aqui fazemos consistir a santidade em estar muito alegres»[28] (embora saibamos que não era uma alegria superficial, mas muito bem enraizada no profundo, na interioridade, na responsabilidade diante da vida e diante do próprio Deus).

Dom Bosco entendeu muito bem, e assim o transmitiu aos seus jovens, que empenho e alegria caminham juntos, e que santidade e alegria formam um binômio inseparável. O seu convite é, portanto, um apelo à “santidade da alegria” e à alegria vivida numa vida santa. Isso não significa ignorar que o esforço da santidade comporta coragem porque, em outras palavras, é um percurso que vai “contracorrente”, um caminho não poucas vezes de contestação, no qual em alguns momentos precisamos ser como Jesus “sinais de contradição”.

? é um caminho, o da santidade, que aceita a dimensão da cruz. O Papa Francisco recorda-nos a solidez interior para ser perseverantes e constantes no bem; refere-se à vigilância no «lutar e estar atentos às nossas inclinações agressivas e egocêntricas, para não deixar que ganhem raízes» (EG, 114); encoraja a paresia evangélica para não se deixar dominar pelo medo; sobretudo convida a não deixar de viver em contemplação do Crucificado, fonte de graça e libertação: «E se ainda não consegues, diante do rosto de Cristo, deixar-te curar e transformar, então penetra nas entranhas do Senhor, entra nas suas chagas, porque é nelas que tem a sua sede a misericórdia divina» (EG, 151).

Talvez hoje, a referência à Cruz já não seja muito frequente entre nós, mas certamente também nisso devemos mudar. Não se pode viver uma autêntica vida cristã e um itinerário de santidade no cotidiano deixando a Cruz à margem.

Tendo participado, durante o último Sínodo, da canonização de São Paulo VI, celebrada com a de outros santos, vejo como muito oportunas estas suas palavras: «O que seria o Evangelho, isto é, o cristianismo, sem a dor, sem o sacrifício de Jesus? Seria um Evangelho, um cristianismo sem a Redenção, sem a salvação, da qual temos absoluta necessidade. O Senhor salvou-nos com a Cruz; deu-nos novamente a esperança, o direito à vida com a sua morte. Carregar a cruz! Uma grande coisa, uma grande coisa, filhos caríssimos! Significa enfrentar a vida com coragem, sem indolência, sem covardia; significa transformar em energia moral as dificuldades inevitáveis da nossa existência; significa saber compreender a dor humana e, enfim, saber realmente amar!».

? é viver a santidade porque ela não afasta dos próprios deveres, interesses, afetos, mas os assume na caridade. A santidade é a perfeição da caridade e responde, portanto, à necessidade fundamental do homem: ser amado e amar. Quanto mais santo, tanto mais homem e mulher, porque «não é que a vida tenha uma missão, mas a vida é uma missão» (GE, 27).

A santidade, portanto, é um caminho de emancipação. «Precisamos dum espírito de santidade que impregne tanto a solidão como o serviço, tanto a intimidade como a tarefa evangelizadora, para que cada instante seja expressão de amor doado sob o olhar do Senhor. Desta forma, todos os momentos serão degraus no nosso caminho de santificação» (GE, 31).

A santidade coincide, então com o florescimento pleno do humano. Ela não é proposta de um caminho que desencarna e descontextualiza, mas permite experimentar de modo sempre mais pleno e verdadeiro a própria humanidade e a humanidade dos irmãos. No rosto de um verdadeiro santo, percebe-se sempre, claramente, o homem ou a mulher que é, com toda a riqueza afetiva, volitiva, intelectiva e relacional que o distingue: «Nos Santos, torna-se óbvio que quem caminha para Deus não se afasta dos homens, antes pelo contrário torna-se seu verdadeiramente próximo».

Convido-vos, desde já, a recordar, quando no fim do comentário, falaremos dos nossos santos, beatos, servos de Deus e veneráveis da nossa Família Salesiana, o testemunho precioso que nos oferecem com a sua vida.

Dom Bosco mesmo, na sua grande humanidade, foi o primeiro a encontrar, curar, reconciliar os jovens que chegavam ao Oratório tendo vivido muitas vezes situações de pobreza afetiva, dificuldades econômicas, orfandade e abandono. A esses jovens, ele ofereceu toda a riqueza do espírito de família e do Sistema Preventivo, num clima magnífico, também espiritual, que ajudou a curá-los. As feridas foram curadas graças à paternidade do próprio Dom Bosco, ao clima de família, de alegria, e ao itinerário de fé e de amizade com Jesus a quem Dom Bosco conduziu os seus jovens.

Em Mornese, Madre Mazzarello e as primeiras irmãs viveram, com a sensibilidade própria de mulher, esse encontro com a humanidade daquelas meninas e jovens pobres, acolhidas na primeira casa das Filhas de Maria Auxiliadora.

E da mesma forma, a nossa história repetiu-se em muitos grupos da nossa Família Salesiana, com um traço tipicamente nosso, que é também do Evangelho, e que nos permitiu assumir a responsabilidade e curar a humanidade de cada pessoa com que nos encontramos.

? é uma santidade que é também “dever” e dom (isto é, uma vocação, uma responsabilidade, um empenho e um dom). A santidade é participação na vida de Deus, não uma perfeição moralisticamente entendida e que pressupõe obter apenas com as próprias forças. Na verdade, uma vida santa não é principalmente fruto do nosso esforço pessoal, das nossas ações. é Deus, o três vezes Santo (cf. Is 6,3) que nos faz santos através da ação do Espírito Santo, que interiormente nos dá força e vontade.

A santidade é empenho e responsabilidade. é algo que só tu podes fazer: «Oxalá consigas identificar a palavra, a mensagem de Jesus que Deus quer dizer ao mundo com a tua vida» (GE, 24).

E para os consagrados e as consagradas da nossa Família Salesiana esse dever torna-se indispensável. Paulo VI o disse de modo radical: «A vida religiosa deve ser santa, ou não tem mais razão de ser».


V. ALGUNS POSSÍVEIS INDICADORES DA SANTIDADE

Ofereço-vos algumas indicações que podem ser válidas para cada um pessoalmente e para a nossa missão. Permito-me assinalar os seguintes indicadores.

- Viver a vida de todos os dias como lugar de encontro com Deus

O coração do espírito salesiano, que nos distingue como Família carismática, caracteriza-se pelo fato de conceber a vida de modo positivo e entendê-la, dia a dia, como um lugar de encontro com Deus. Esse lugar é atravessado por uma rica rede de relações, trabalho, alegria e relax, vida familiar, desenvolvimento das próprias capacidades, entrega, serviço..., todos vividos à luz de Deus. E isso se concretiza, de modo simples, na convicção muito salesiana que vem do mesmo Dom Bosco: para ser santo, o que deves fazer deves fazê-lo bem.

É a proposta da santidade da vida cotidiana. Se Teresa d’ávila encontra a santidade entre os utensílios de uma cozinha e Francisco de Sales demonstra que o cristão pode viver no mundo, em meio aos compromissos da vida e às preocupações, e ser santo, Dom Bosco, com a simplicidade da alegria do cumprimento exato do próprio dever e de uma vida vivida toda por amor do Senhor, cria com seus jovens uma verdadeira escola de santidade em Valdocco.

- Ser pessoas e comunidades de oração

A santidade é o maior dom que podemos oferecer aos jovens e – acrescento – todos os jovens, adolescentes e suas famílias, precisam do testemunho da nossa vida. E, como disse, essa santidade simples será o dom mais precioso que lhes podemos oferecer.

Entretanto, esse caminho não é possível sem cultivar a profundeza de vida, sem a fé autêntica e sem a oração como expressão dessa mesma fé. O Papa Francisco afirma: «Não acredito na santidade sem oração» (GE, 147). E efetivamente tudo isso é impossível sem intimidade com o Senhor Jesus: oração de agradecimento, expressão de reconhecimento ao Deus transcendente; oração de súplica, expressão do coração que confia em Deus; oração de intercessão, expressão de amor fraterno; oração de adoração, expressão de reconhecimento da transcendência de Deus; oração de meditação da Palavra, expressão do coração dócil e obediente; oração eucarística, apogeu e fonte do itinerário de santidade.

- Desenvolver na vida os frutos do Espírito Santo: amor, caridade, alegria, paz, paciência, benevolência, bondade, fidelidade, doçura, domínio de si... A santidade não é conflito, discussão, inveja, impaciência. «A santidade não te torna menos humano, porque é o encontro da tua fragilidade com a força da graça» (GE, 34).

- Praticar as virtudes: não só recusar o mal e apegar-se ao bem, mas apaixonar-se pelo bem, cumprindo bem o bem, todo o bem... Oração e ação no mundo, serviço e doação, e também tempos de silêncio. Vida de família e responsabilidade no trabalho. «Tudo pode ser recebido e integrado como parte da própria vida neste mundo, entrando a fazer parte do caminho de santificação. Somos chamados a viver a contemplação mesmo no meio da ação, e santificamo-nos no exercício responsável e generoso da nossa missão» (GE, 26).

Então, buscar a vida boa do Evangelho na prática alegre e constante das virtudes será realmente um caminho simples de santidade.

- Testemunhar a comunhão

O caminho da santidade é experimentado em comum e o caminho da santidade é um caminho vivido em comunidade e alcançado em conjunto. Os santos estão sempre juntos, na companhia de Deus. Onde houver algum, sempre encontraremos muitos outros. A santidade do cotidiano faz florescer a comunidade e é um gerador “relacional”. Fazemo-nos santos juntos. Não é possível ser santo sozinho, e Deus não nos salva sozinhos: «por isso, ninguém se salva sozinho, como indivíduo isolado» (GE, 6). A santidade nutre-se de relações, de confiança, de comunhão porque a espiritualidade cristã é essencialmente comunitária, eclesial, profundamente diferente e muito distante de uma visão elitista e heroica da santidade.

Ao contrário, não há santidade cristã onde se esquece a comunhão com os outros, onde se esquece de buscar e olhar o rosto do outro, onde se esquece a fraternidade e a revolução da ternura.

- Entender que a vida de cada um é uma missão

O Papa pede decididamente para conceber a totalidade da própria vida como uma missão. às vezes, em momentos difíceis, alguém se pergunta que sentido tem a sua existência, qual é a razão pela qual viver, a motivação do seu estar no mundo, que contribuição pessoal deveria oferecer... Pois bem, em todos esses casos se está a perguntar: qual é a minha missão? E à luz desse aspecto, descobre-se que «para um cristão, não é possível imaginar a própria missão na terra, sem a conceber como um caminho de santidade» (GE, 19), dando sempre o melhor de si nessa missão.

Algumas casas salesianas, como Valdocco, Mornese, Valsalice, Nizza, Ivrea, ‘San Giovannino’... atestam desde o início a santidade como experiência compartilhada, que floresce na amizade, na entrega e no serviço (hoje, dizemos vida como “vocação e missão”).

- Buscar a simplicidade (que não é facilidade) das Bem-aventuranças (cf. GE, 70-91)

Jesus nos ofereceu, no anúncio das Bem-aventuranças, um verdadeiro itinerário de santidade. As Bem-aventuranças «são como a carta de identidade do cristão» (GE, 63).

Nelas nos é proposto um modo de vida em que se realizam processos que vão da pobreza de coração, que significa também austeridade de vida, à reação com mansidão humilde num mundo onde facilmente se desentende e por qualquer coisa; da coragem de deixar-se “transpassar” pela dor alheia e ter compaixão dela ao buscar a justiça com verdadeira fome e sede, enquanto outros se dividem o bolo da vida obtido por meio da injustiça, da corrupção e do abuso de poder.

As Bem-aventuranças levam o cristão a olhar e agir com misericórdia, o que significa ajudar os outros, e também perdoar; levam-no a manter um coração puro e livre de tudo o que corrompe o amor a Deus e ao próximo. A proposta de Jesus pede-nos para semear paz e justiça e construir pontes entre as pessoas. Pede também para aceitar as incompreensões, as falsidades em relação a si mesmo, e, enfim, as perseguições, mesmo as mais sutis existentes hoje.

- Crescer nos pequenos gestos (GE, 16).

é outro simples indicador prático à disposição de todos. Deus nos chama à santidade mediante os pequenos gestos, através das coisas simples, aquelas que sem dúvida podemos descobrir nos outros e realizar em nós mesmos na vida de todos os dias; encorajados pelo fato de o itinerário de santidade não ser nem único nem o mesmo para todos.

O caminho de santidade é percorrido na condição pessoal de homem e de mulher. Nesse sentido, a ternura feminina, a fineza dos pequenos detalhes e dos gestos constituem um exemplo magnífico para todos. Por essa razão, o Papa Francisco diz: «quero assinalar que também “o gênio feminino” se manifesta em estilos femininos de santidade, indispensáveis para refletir a santidade de Deus neste mundo e [...] interessa-me sobretudo lembrar tantas mulheres desconhecidas ou esquecidas que sustentaram e transformaram, cada uma a seu modo, famílias e comunidades com a força do seu testemunho» (GE, 12).

- Tudo, menos renunciar a voar quando nascemos para as alturas!

São muitos pequenos passos que nos podem ajudar a trilhar o caminho da santidade, numa santidade simples, anônima, mas que modela a nossa existência de maneira muito bonita. Como disse, tudo pode ajudar; tudo, exceto a renúncia a voar quando nascemos para as alturas! Pois somos «escolhidos por Deus, santos, amados» (Cl 3,12).

O que quero dizer é expresso magnificamente por Mamerto Menapace[33] numa bela história, uma bonita metáfora que fala do dilema entre ficar no nível do chão ou alçar voo para Deus, para a santidade, para as alturas.

A história diz assim:

Certa vez, um agricultor, que caminhava por uma trilha na alta montanha, encontrou entre as pedras nas proximidades do cume um ovo estranho: muito grande para ser de galinha e muito pequeno para ser de avestruz.

Não sabendo o que fosse, decidiu levá-lo consigo.

Ao chegar em casa mostrou-o à mulher. Ela tinha uma perua que estava chocando. Vendo que o ovo era mais ou menos da dimensão dos outros, colocou-o com os da perua.

As pequenas aves começaram a romper a casca e o mesmo fez a que fora encontrada na montanha. E, mesmo parecendo ser um animal diferente dos demais, as diferenças não eram tantas que o desfigurassem diante do resto da ninhada, apesar de se tratar de um pequeno condor. Embora chocado por uma perua, tinha outra origem.

Como não tinha nenhum outro modelo de quem aprender, o pequeno condor imitava o que via fazerem os perus. Seguia o grande peru procurando vermes, sementes e outros restos. Cavava a terra e, saltitando, procurava arrancar as frutas dos arbustos. Vivia no galinheiro e tinha medo dos cães que vinham roubar-lhe frequentemente a comida. à noite, subia aos galhos da alfarroba com medo das doninhas e de outros predadores. Vivia nessa situação, imitando o que via fazer os outros.

às vezes, sentia-se um pouco estranho. Sobretudo quando tinha a oportunidade de ficar sozinho. Mas isso não acontecia muito. Pois os perus não toleram a solidão, nem que os outros fiquem sozinhos. é uma espécie que gosta de movimentar-se sempre em bando, encher o peito para impressionar, abrir a cauda e arrastar as asas. Diante do que lhe causa estranheza, a resposta imediata era uma grande zombaria.

Outra característica dos perus é esta: embora tenham grandes dimensões, não voam.

Certa vez, pelo meio-dia, enquanto o céu claro era atravessado por nuvens brancas, o pequeno animal ficou surpreso ao ver alguns pássaros estranhos que voavam majestosamente, quase sem mover as asas. Sentiu um choque no profundo do seu ser. Algo como um antigo chamado que queria despertá-lo nas profundezas de suas fibras. Seus olhos, habituados a olhar sempre o terreno em busca de alimento, não conseguiam distinguir o que acontecia nas alturas. O seu coração despertou com uma forte nostalgia: por que também eu não posso voar assim? O seu coração batia veloz e ansioso.

Naquele momento, aproximou-se dele um peru que lhe perguntava o que estava fazendo. Riu dele quando ouviu o que pensava. Disse-lhe que era um romântico e que deveria deixar de fazer graça. Eles eram diferentes. Devia voltar à realidade, e propôs acompanhá-lo a um lugar onde encontrara muita fruta madura e muitos tipos de vermes.

Desorientado, o pobre animal retomou-se do fascínio e seguiu o companheiro que o levou de volta ao galinheiro.

Retomou sua vida normal, sempre atormentado por uma profunda insatisfação interior que o fazia sentir-se estranho.

Jamais descobrira a sua verdadeira identidade de condor.

Chegando à velhice, certo dia morreu. Sim, infelizmente morreu exatamente como vivera.

E pensar que nascera para as alturas!

é o caminho do crescimento cristão para a santidade: «Não tenhamos medo de tender para o alto, para as alturas de Deus; não tenhamos medo que Deus nos peça demasiado».


VI. ITINERÁRIOS ATUAIS DE SANTIDADE À LUZ DA NOSSA HISTÓRIA DE FAMÍLIA SALESIANA

- Há muitos caminhos no itinerário de santidade

Sabemos que alguns são santos, mas jamais saberemos quem é mais santo que outro. Só Deus conhece os corações. Há uma beleza particular em cada um. Não se deve pedir a uma pessoa o que ela não pode e não deve dar. Dizê-lo é encorajador, recuperador. Caso contrário nos convenceríamos de que não podemos ser santos, porque jamais seríamos como os santos que nos foram propostos como modelos. «Não se deve pôr na santidade mais perfeição daquela que realmente tem».[35] Ou seja, a heroicidade cristã não é heroísmo, a perfeição cristã não é perfeccionismo de super-herói. «Na casa do meu Pai há muitas moradas» (Jo 14,2). O Paraíso é como um jardim: nele há a humilde violeta e o sublime lírio além da rosa. Nenhuma condição representa um obstáculo insuperável para a plenitude da alegria e da vida.

Ao lado de Dom Bosco não encontramos apenas Domingos Sávio, João Massaglia e Francisco Besucco; mas também Miguel Magone e muitos outros garotos difíceis, cuja história é caracterizada por feridas profundas.

Nas primeiras obras dos Salesianos e das Filhas de Maria Auxiliadora, encontram sua verdadeira primeira casa órfãos e pessoas marcadas de várias maneiras por injustiças e traumas (Carlos Braga, Laura Vicunha...).

Há ainda feridas estritamente pessoais: tanto Beltrami como Czartoryski sabiam que, por causa da doença, jamais poderiam levar uma vida oratoriana regular. Artêmides Zatti viu-se recusado ao sacerdócio, também por causa de uma doença. Francisco Convertini demonstrava modestíssimos dotes intelectuais e foi somente a sua santidade irradiante a convencer os superiores a deixarem-no chegar ao sacerdócio. Alexandrina Maria da Costa viu-se obrigada ao leito por uma paralisia progressiva. A mesma situação foi vivida por Nino Baglieri. A mística salesiana Vera Grita viveu calvário semelhante, após um trauma causado por um acidente.

Assim, na casa de Dom Bosco encontra espaço e acolhida uma multiplicidade de interlocutores feridos de várias maneiras por dolorosas situações familiares ou pessoais; pessoas que, por um mero critério de prudência humana ou eficiência, jamais poderiam ser aceitas. Figuras que, ao olhar superficial, parecem contrastar em tudo e por tudo com o brilho alegre e até “vigoroso” do espírito salesiano. Contudo, à luz da fé, demonstra-se com os fatos que nenhuma condição pessoal é impedimento para a santidade.

- Todo santo é uma palavra encarnada de Deus

Não existem dois santos iguais. Imitar os santos não é copiá-los. Cada qual precisa dos seus tempos e tem o próprio caminho pois «os percursos da santidade são pessoais».

A galáxia da santidade é vasta e diferenciada; por isso, não deve ser achatada numa orientação genérica para o bem, mas deve ser considerada como fonte inesgotável de inspiração e de programa de vida. Imagens vivas do evangelho, os Santos interpretam o seu espírito mais genuíno e são o espelho que reflete o rosto de Jesus Cristo, o Santo de Deus. Eles difundem o dom da bondade e da beleza, não cedem à moda passageira e efêmera do tempo e, com o ímpeto de um coração perenemente jovem, tornam possível o milagre do amor. Com a força da Graça, os Santos mudam o mundo, mas também a Igreja, que se torna mais evangélica e mais crível pelo seu testemunho.

O Espírito Santo que inspirou os autores sagrados é o mesmo que anima os Santos a darem a vida pelo Evangelho. O modo diferente de “encarnar” a santidade é um caminho seguro para iniciar uma hermenêutica viva e eficaz da Palavra de Deus.

- Cada santo da nossa Família Salesiana nos diz que a santidade é possível

Cada um dos nossos Santos, Beatos, Veneráveis, Servos de Deus é portador de uma riqueza de aspectos que merecem maior consideração e valorização. Trata-se de contemplar um diamante de muitas facetas, algumas mais visíveis e atraentes, outras menos imediatas e “simpáticas”, mas nem por isso menos verdadeiras e decisivas. Conhecer e fazer conhecer essas figuras extraordinárias de crentes gera um envolvimento progressivo no seu caminho, um apaixonado interesse pela sua vida, uma alegre participação nos projetos e esperanças que animaram seus passos.

Ofereço-vos alguns exemplos.

? A santidade dos jovens “de nossa casa”

Com o testemunho de Domingos Sávio, Laura Vicunha, Zeferino Namuncurá, dos cinco jovens oratorianos de Pozna?, de Alberto Marvelli e outros, são 46 os Santos e Beatos jovens da Família Salesiana com menos de 29 anos.

Alguns aspectos do testemunho de São Domingos Sávio merecem ser evidenciados

O apelo à realidade preventiva não só como aspecto pedagógico-educativo, mas como fato teológico. Na sua vida, como testemunha o próprio Dom Bosco, há uma graça preventiva que atua e se manifesta.

O valor decisivo representado pela Primeira-Comunhão.

O fato de ser uma espécie de líder e mestre nos caminhos de Deus (como Dom Bosco o vê no sonho de Lanzo de 1876), como é confirmado pela vida de muitos dos nossos beatos, veneráveis e servos de Deus que se apropriaram dos propósitos de Domingos: Laura Vicunha, Zeferino Namuncurá, José Kowalski, Alberto Marvelli, José Quadrio, Otávio Ortiz Arrieta.

O papel de Domingos na fundação da Companhia da Imaculada, viveiro da futura Congregação Salesiana, em relacionamento com João Massaglia, verdadeiro amigo das coisas da alma, de quem Dom Bosco afirmou: «Se quisesse descrever os belos atos de virtude do jovem Massaglia, teria de repetir o que disse de Domingos de quem foi fiel imitador enquanto viveu».

? A santidade missionária do carisma salesiano, expressa com um número notável de homens e mulheres, consagrados e leigos, que evidenciam o anúncio do evangelho, a inculturação da fé, a promoção da mulher, a defesa dos direitos dos pobres e dos indígenas, a fundação de Igreja locais. Impressiona profundamente o fato de uma grandíssima parte de irmãos e irmãs da nossa Família Salesiana em caminho para o reconhecimento das virtudes heroicas e da sua santidade, serem missionários e missionárias (Beata Maria Romero Meneses, FMA; Beata Maria Troncatti, FMA; Venerável Vicente Cimatti).

? A santidade vitimal-oblativa, que exprime a raiz profunda do “Da mihi animas, coetera tolle”. Líder dessa dimensão é o Venerável Padre André Beltrami (1870-1897), cujo testemunho é paradigmático de todo um filão de santidade salesiana que, a partir da tríade André Beltrami, Augusto Czartoryski, Luís Variara, continua no tempo com outras grandes figuras como a Beata Eusébia Palomino, a Beata Alexandrina Maria da Costa, a Beata Laura Vicunha, sem esquecer a numerosa fileira de mártires (entre os quais se deve mencionar os 95 mártires da guerra civil espanhola e, entre eles, muitos jovens irmãos em formação e jovens sacerdotes).

? A dimensão da “família ferida”: famílias em que está ausente ao menos um dos genitores, ou a presença da mãe e/ou do pai torna-se, por diversas razões (físicas, psíquicas, morais e espirituais), penalizante para os filhos. Dom Bosco que experimentara pessoalmente a morte prematura do pai e o afastamento da família pela prudente vontade de Mamãe Margarida, quer a obra salesiana particularmente dedicada à «juventude pobre e abandonada».

A Beata Laura Vicunha, nascida no Chile em 1891, que não conheceu o pai e cuja mãe inicia na Argentina uma convivência com o rico proprietário Manuel Mora. Laura, ferida pela situação de irregularidade moral da mãe, oferece a vida por ela.

O Servo de Deus Carlos Braga, nascido na Valtellina (norte da Itália) em 1889. é abandonado muito pequeno pelo pai enquanto sua mãe, por uma mistura de ignorância e maledicência, é afastada por ser tida como psiquicamente instável. Carlos passa por grandes humilhações e verá posta à prova muitas vezes a autenticidade da sua vocação salesiana, mas saberá amadurecer nas dificuldades uma grande força de reconciliação e dará o testemunho de uma profunda paternidade e bondade, sobretudo pelos pais dos Irmãos.

? A dimensão vocacional: no contexto do bicentenário do nascimento de Dom Bosco deram-se as beatificações de dois Irmãos mártires, que nos mostram alguns aspectos constitutivos do nosso carisma.

Estêvão Sándor (1914-1953), beatificado em 2013 (a causa teve início em 2006), recorda a complementaridade das duas formas da única vocação consagrada salesiana: a laical (coadjutor) e a presbiteral. O testemunho luminoso de Estêvão Sándor, como salesiano coadjutor, exprime uma opção vocacional clara e decidida, exemplaridade de vida, competência educativa e fecundidade apostólica, à qual olhar para uma apresentação da vocação e missão do salesiano coadjutor, com predileção pelos jovens aprendizes e do mundo do trabalho.

Tito Zeman (1915-1969), beatificado em Bratislava no dia 30 de setembro de 2017 (a causa teve início em 2010). Quando o regime comunista checoslovaco, em abril de 1950, vetou as ordens religiosas e começou a deportar consagrados e consagradas aos campos de concentração, ele acreditou se necessária a organização de viagens clandestinas para Turim a fim de permitir que os jovens salesianos completassem os estudos. Tito encarregou-se de realizar essa arriscada atividade e organizou duas expedições para cerca de 20 jovens salesianos. Na terceira expedição, Padre Zeman foi aprisionado com outros fugitivos. Sofreu um duro processo, no qual foi descrito como traidor da pátria e espião do Vaticano, e condenado à morte. Viveu o seu calvário com grande espírito de sacrifício e de oferta: «Mesmo se perdesse a vida, não a consideraria desperdiçada, sabendo que ao menos um dos que ajudei se tornou sacerdote no meu lugar».

? A dimensão da “paternidade e maternidade salesiana”: depois da grande paternidade de Dom Bosco, recordemos, entre outros, Santa Maria Domingas Mazzarello, o Beato Miguel Rua, o Beato Filipe Rinaldi, o Beato José Calasanz, a Venerável Mamãe Margarida, o Venerável Vicente Cimatti, a Venerável Teresa Valsé, o Venerável Augusto Arribat, o Servo de Deus Carlos Braga, o Servo de Deus André Majcen...

? A dimensão episcopal: na variada esteira de santidade florescida na escola de Dom Bosco, distingue-se também um significativo grupo de bispos, que encarnaram de modo especial a caridade pastoral, típica do carisma salesiano, no ministério episcopal: Luís Versiglia (1873-1930), Mártir e Santo; Luís Olivares (1873-1943), Venerável; Estêvão Ferrando (1895-1978), Venerável e Fundador; Otávio Ortiz Arrieta (1878-1958), Venerável; Augusto Hlond (1881-1948), Venerável, Cardeal; Antonio de Almeida Lustosa (1886-1974), Servo de Deus; Orestes Marengo (1906-1998), Servo de Deus.

? A dimensão da “filiação carismática”. é muito interessante também notar que veneramos alguns santos que compartilharam com Dom Bosco algumas estações da vida, admiraram a sua santidade, a sua fecundidade apostólica e educativa, mas, depois, percorreram o próprio caminho com liberdade evangélica, sendo, por sua vez, fundadores, com as argutas intuições pessoais, o genuíno amor pelos pobres e a ilimitada confiança na Providência: São Leonardo Murialdo, São Luís Guanella, São Luís Orione.

A realidade descrita é muito bela, enche-nos de responsabilidades e nos encoraja. Vê-se claramente que somos depositários de uma herança preciosa, que merece ser mais conhecida e valorizada. O perigo está em reduzir este patrimônio de santidade a um fato litúrgico-celebrativo, não valorizando plenamente as suas possibilidades de tipo espiritual, pastoral, eclesial, educativo, cultural, histórico, social, missionário... Os Santos, Beatos, Veneráveis e Servos de Deus são pepitas preciosas que devem ser retiradas da escuridão da mina para poder brilhar e refletir na Igreja e na Família Salesiana o esplendor da verdade e da caridade de Cristo.

 ? O aspecto pastoral deles toca a eficácia que possuem como exemplos exitosos de um cristianismo vivido em particulares situações socioculturais e políticas do mundo, da Igreja e da mesma Família Salesiana.

? O aspecto espiritual implica no convite à imitação das suas virtudes como fonte de inspiração e planejamento para o nosso estilo de vida e a nossa missão. O cuidado pastoral e espiritual de uma causa é uma autêntica forma de pedagogia da santidade, à qual deveríamos, em força do nosso carisma, ser particularmente sensíveis e atentos.

Concluo o comentário à Estreia com essa rica e pontual informação, que me vem da nossa Postulação. Sem dúvida será de grande interesse para a nossa Família Salesiana e, de modo especial, para os muitos grupos da belíssima árvore da salesianidade que veem alguns dos seus membros envolvidos num desses processos. Como escreveu o Padre Rua, a santidade de todos nós, seus filhos e suas filhas, será uma prova da santidade vivida e deixada para nós em herança pelo mesmo Dom Bosco, amado Pai de toda a Família Salesiana difusa no mundo.

Meus caros Irmãos e Irmãs, posso afirmar com tranquilidade que a maior necessidade e a maior urgência que temos hoje no nosso mundo salesiano não é fazer coisas, projetar e redesenhar novas realidades, iniciar novas presenças..., mas mostrar o que as nossas vidas comunicam pessoal e coletivamente, o nosso modo de viver o Evangelho, que se realiza e estende no tempo como prolongamento do modo de viver de Jesus. Enfim, o que está em jogo é a nossa santidade!

Sejamos santos, como o foi o nosso Pai e Fundador da nossa bela Família Salesiana espalhada atualmente pelo mundo!

O Papa João Paulo II, hoje santo, fez-nos um apelo entusiasmado que, embora fosse dirigido a seu tempo aos Salesianos, vale para toda a Família Salesiana em geral e para cada um dos seus grupos. Ouçamo-lo novamente como uma palavra dirigida a cada um de nós e à nossa Instituição. Ele dizia assim:

Desejai «repropor com coragem “a busca da santidade” como principal resposta aos desafios do mundo contemporâneo. Trata-se, em conclusão, não tanto de começar novas atividades e iniciativas, mas de viver e testemunhar sem compromisso o Evangelho, a fim de estimular à santidade os jovens que encontrais. Salesianos do terceiro milênio! Sede apaixonados mestres e guias, santos e formadores de santos, como o foi São João Bosco.

Peçamos a Maria, Mãe e Auxiliadora, que nos conceda a luz necessária para ver claramente e percorrer pessoalmente, com verdadeiro espírito, este caminho de vida. Ela sustente o esforço de cada um e de toda a nossa Família Salesiana no caminho da santidade salesiana, para o bem daqueles aos quais somos enviados e para nós mesmos.

Possa Ela, a Mãe, especialista no Espírito, realizar em nós as maravilhas da Graça como fez com todos os nossos santos.

A Auxiliadora nos acompanhe e nos guie.

Desejo-vos um ano fecundo e cheio de frutos de santidade.

Com afeto, P. Ángel Fernández Artime - Reitor-Mor

Fonte: Redação